Começar cedo, treinar e jogar mais
A seleção feminina Sub-19 está nas meias-finais do EURO e apurou-se pela primeira vez para o Mundial Sub-20. Viajar pelos últimos 13 anos explica o que mudou. Investir em tempo é parte do «segredo».
Em 2012, Fátima Pinto tinha apenas 16 anos, vivia na Madeira e foi convocada para um estágio de observação no Jamor, orientado por José Paisana e Marisa Gomes. Ao terceiro treino o pé inchou, mas para os treinadores já não era preciso ver mais nada: estaria no EURO Sub-19, na Turquia.
Nesse estágio, que por acaso foi o segundo de uma seleção feminina Sub-18 na FPF, estiveram também Andreia Norton (na altura no Cesarense) e Mariana Azevedo (Forjães SC) e jogadoras que estão a fazer carreira na Liga BPI, como Sara Brasil (Freamunde) e Maria Baleia (1º Dezembro). Estava também Inês Andrada, na altura guarda-redes do Futebol Benfica e hoje árbitra.
Por sinal, a primeira árbitra portuguesa que explicou ao público uma decisão tomada com auxílio do VAR.
A carreira de Fátima Pinto manteve-se no futebol e a média soma já 116 internacionalizações (91 na seleção A, mais 25 nas Sub-19). Vestiu pela primeira vez a camisola de Portugal na fase final desse EURO 2012, que se realizou na Turquia.
Portugal só fez um golo nessa fase de grupos, mas valeu uma vitória. Bastou mais um empate para chegar às meias-finais. Dessa equipa faziam parte, além de Fátima Pinto, Tatiana Pinto, Jéssica Silva, Diana Silva, Andreia Norton, Vanessa Marques, Mónica Mendes e Matilde Fidalgo, todas jogadoras que depois fizeram caminho na Seleção A. De todas, Vanessa foi a que somou mais partidas nas Sub-19: 31.
(o zerozero.pt foi ver onde andam hoje as convocadas dessa seleção, eu por enquanto continuo em 2012)
Tatiana tinha 13 jogos com as quinas antes da Turquia, Jéssica 12, Diana Silva apenas 8 e Andreia Norton estava quase na mesma situação de Fátima Pinto: tinha apenas 15 anos e jogara duas vezes pela Seleção.
Nessa altura, há apenas 13 épocas, só existiam duas seleções femininas regulares em Portugal: as sub-19 e a Seleção A. Para conseguir uma equipa competitiva, era preciso juntar no mesmo balneário todas as jogadoras entre os 15 e os 19 anos. Foi isso que fizeram os dois treinadores.
A UEFA tinha criado o EURO Sub-19 feminino em 1998, mas para Portugal aquela foi a primeira participação. Nas meias-finais um golo da Espanha a três minutos do fim acabou com um sonho. Olhando a esta distância, foi sem dúvida um feito extraordinário.
Em 2006, a UEFA decidira realizar o EURO Sub-17 feminino. Afinal, já existia há muito para rapazes. A primeira edição data de 2007/08. A FPF criou a seleção deste escalão em 2013.
Nas épocas seguintes, a Direção de Fernando Gomes foi sucessivamente criando os escalões que estavam em falta: Sub-15, Sub-16, Sub-18 e Sub-23. Apesar de só os escalões Sub-17 e Sub-19 terem competição oficial, a regra nas outras seleções era realizar treinos, pequenos estágios, jogos particulares e pequenos torneios.
No primeiro estágio das Sub-16, em 2013, fizeram parte da lista dois nomes que os portugueses hoje conhecem muito bem: Ana Capeta e Diana Gomes. Nascida em 1998, a defesa central já encontrou uma realidade diferente e por isso no seu currículo estão cinco jogos pela seleção Sub-16, 19 pela Sub-17 e 24 pela Sub-19. A primeira internacionalização aconteceu quando ainda tinha 15 anos. Mais uma curiosidade: aos 18 anos fez parte da Seleção Nacional de futebol de praia que disputou um Mundialito em Carcavelos, ao lado de Rute Costa e de internacionais de futsal como Carla Vanessa e Maria Pereira.
Em 2024/25, de acordo com o site oficial da FPF, as seleções jovens femininas sem competição oficial realizaram os seguintes jogos:
SUB-15: 8
SUB-16: 11
SUB-18: 10
SUB-23: 5
Os objetivos para cada ação são definidos pelos treinadores nacionais. A quem dirigiu coube, ao longo do tempo, tomar a decisão de criar condições, investir muito dinheiro, contratar mais treinadores (ainda recentemente, o selecionador nacional A fazia parte das equipas técnicas da formação feminina…) e staff.
Além de dinheiro e trabalho, foi decidido também investir tempo e esperar que os resultados aparecessem.
Como se viu este sábado mais uma vez, os resultados estão a chegar.
A seleção Sub-19 esteve no EURO 2012 devido sobretudo ao talento e paixão de jogadores e treinadores. Em 2025 a situação é bem diferente.
Apesar de haver ainda algumas jogadoras mais novas (provavelmente um investimento dos treinadores já na próxima geração), a maior parte tem 18 ou 19 anos.
Muitas começaram a competir nas Sub-15 ou Sub-16.
Oito já se estrearam na Liga BPI e a grande maioria compete com regularidade na II Divisão Nacional, através das equipas B.
Há três jogadoras com mais de 50 internacionalizações (!), só três das convocadas não têm mais de 30 jogos pelas seleções jovens.
Tanto tempo juntas permite criar espírito de grupo, apreender as ideias dos treinadores, medir forças com os adversários mais fortes e sobretudo viver situações que resultam em experiência.
No final do jogo com os Países Baixos, Marisa Gomes, a treinadora, salientou o equilíbrio do grupo, preenchido por jogadoras com muita qualidade, o que lhe permite fazer uma boa gestão do cansaço desde o primeiro jogo. Em torneios curtos, gerir os minutos das jogadoras é fundamental.
Este foi o nosso melhor resultado frente aos Países Baixos nas seleções jovens. Até hoje só tínhamos dois empates.
O próximo adversário, a França, só foi derrotado uma vez nos escalões jovens femininos. Curiosamente, aconteceu num jogo decisivo no Luso, que garantiu o apuramento das Sub-17 para o EURO 2019. Na categoria em que vamos jogar na terça-feira, temos sete derrotas em outros tantos jogos. Mas este não tem sido o EURO em que se quebram velhos hábitos?
Mais do que ganhar à Inglaterra e à Holanda – o que só por si já seria espantoso – é a capacidade para mandar nos jogos que mais me tem impressionado.
Com a Holanda terminou 19-6 em remates e com a Inglaterra 11-4. Com a Espanha, 8-14. Mas apesar da derrota os sinais foram bons em largos períodos.
Mais do que uma geração de ouro, esta pode ser a seleção que inaugura o hábito de estarmos com frequência nas fases finais. O acesso é muito difícil, cabem apenas sete seleções mais o organizador. Se lembrarmos que a Alemanha não está, compreende-se quão complicado é.
Até pelo formato, nem tudo pode ser simplificado ao estilo ir é excelente, ficar é uma desgraça. Há tons de cinzento pelo meio. Mas ir é o objetivo, claro.
Acredito que para Portugal, face ao ainda baixo número de federadas e equipas (o que influencia os quadros competitivos), continuará por algum tempo a ter dificuldade de apuramento para o Campeonato da Europa Sub-17, mas poderá começar a impor-se nas Sub-19.
Apesar das limitações que existem no trabalho diário dos clubes, em 2024 estivemos no EURO Sub-17, na Suécia, com seis das jogadoras que agora competem na Polónia. Antes tínhamos ido em 2014, com Diana Gomes, além das tais meias-finais em 2019, na Bulgária.
Curiosamente, essa geração que esteve no EURO 2019 e tinha Kika Nazareth e Andreia Jacinto, por exemplo, teve muitas das convocadas num estágio Sub-15 de três dias em Quiaios, mesmo antes do Natal de 2017: Alícia Correia (Sporting), Ana Assucena (Amora), Inês Oliveira (Hernâni Gonçalves), Adriana Rocha (Casa Povo Martim), Maria Negrão (SC Porto), Joana Caiado e Maria Alagoa (Viseu 2001). Ricardo Tavares era o treinador. Hoje é adjunto de Marisa Gomes, na Polónia.
Agora, além do apuramento para as meias-finais, a vitória sobre os Países Baixos garantiu a primeira presença de uma seleção feminina no Mundial Sub-20. Doze edições e 24 anos depois, lá estaremos na Polónia.
A nossa história prova que as apostas corretas, o esforço de muitos e o investimento consistente normalmente dão resultado. No desporto, poucas coisas acontecem depressa e sem planeamento. A sorte dá muito trabalho, é costume ouvir nos balneários.
É precisamente quando tudo parece bem que devemos apostar ainda mais em clubes, dirigentes, treinadores e sobretudo nas jogadoras.
Para continuar a progredir, não podemos ir apenas uma vez ou duas por década e para que isso suceda, só trabalhando mais do que os outros países que começaram esta corrida antes de nós. Alguns levam décadas de avanço, mas estão a aprender depressa que não podem brincar com a garra e qualidade das nossas jogadoras.