Gosto muito de saber que a RTP existe
Fui escrever sobre a mudança na Direção de Informação do canal público, mas comecei por um programa antigo de sete anos de Bruno Nogueira e Miguel Esteves Cardoso. Não resisti à imagem do momento...
Na quinta-feira à noite estava aquela temperatura boa que torna irresistível uma cadeira cá fora, depois do jantar. Coloquei o telemóvel na posição confortável e, tranquilo, abri o mundo.
Como sucede sempre, acabo a ver o que desconhecia.
Desta vez foi uma imagem da Joana Marques que me despertou, eu que tenho fugido do lamentável caso. O thumbnail da humorista terá sido escolhido para cativar o algoritmo, comigo podia ter funcionado ao contrário.
Carreguei no link.
Fui dirigido para o Youtube, que nem frequento assim tanto, e comecei. Aos poucos segundos, interrompi: «Amor, anda ver isto». A Luiza puxou a cadeira do lado e assistimos juntos, por entre sorrisos e gargalhadas, a 11 minutos de um ótimo texto muito bem entregue.
O Bruno Nogueira tem um lugar especial na nossa vida.
Damos-lhe sempre uma oportunidade desde o programa com o Miguel Esteves Cardoso que a Luiza e eu, perdidamente apaixonados, víamos enquanto nos descobríamos. Chamava-se «Fugiram de casa dos seus pais», na RTP. Assistíamos, cada um em sua casa, e comentávamos em direto por whatsapp.
Unidos por um programa de Bruno Nogueira e Miguel Esteves Cardoso. Não sei o que isso diz sobre nós, mas também não quero saber.
Num dos episódios a conversa deles caiu na nossa, como se nos lessem. «Zimbabwe, Grândola». Espanto, como sabem onde nascemos!? Meses depois casámos, mas não foi por isso, claro.
Sempre que o Bruno Nogueira tem um programa novo damos-lhe uma hipótese.
Não foi diferente agora, com o «Ruído». Vimos o primeiro. Já não vimos o segundo e quando emitiram o terceiro estávamos a fazer outra coisa e nem andámos para trás.
Tempos depois, um de nós disse já viste isto? e era um vídeo do «Ruído». Ficámos contentes, o programa fazia o seu caminho digital, provavelmente mais do que através da GFK. O Bruno Nogueira vale sempre um olhar até porque nunca sabemos se vai acertar no lugar onde nascemos.
Quero escrever sobre a RTP
O texto, pode parecer estranho, nem é sobre o Bruno Nogueira. Quero escrever sobre o António José Teixeira.
Na verdade, também nem é sobre o António José Teixeira, jornalista que foi diretor de informação da RTP durante cinco anos, depois de outro tanto tempo na direção de informação.
Antes de falar sobre ele, vou deixar claras algumas coisas.
Respeito a RTP, deu-me muitos dos melhores momentos da minha vida.
Respeito as pessoas que a gerem, com quem tive oportunidade de cruzar caminhos e até trabalhar.
Respeito muitas pessoas que têm responsabilidades e trabalham na RTP e até gosto especialmente de algumas.
Falei algumas vezes com António José Teixeira, há muitos anos, e nenhuma com Vítor Gonçalves, mas acho o mesmo de ambos: bons jornalistas, parecem confiáveis e preparados para gerir uma redação. Posso estar enganado, é apenas a minha opinião.
Além disso, digo ainda mais isto.
Sou favorável a uma empresa pública que tenha como principal atividade a informação. Admito que também se dedique ao entretenimento e à ficção.
A RTP deve ter publicidade porque lhe faz bem andar no mercado, saber como isso é difícil.
Desconheço o interior da RTP, não faço ideia se tem pessoas a mais ou a menos, mas sei o suficiente sobre organizações para reconhecer que colocar a questão nestes termos é curto. Não é o número, é o que fazem e como o fazem que realmente interessa.
Percebi que está em curso uma reorganização e isso, em princípio, é bom. Nunca gostei de coisas que se perpetuam. O mundo mexe-se, provavelmente o que fazíamos há dez anos já não é suficiente. Uma mudança pode acontecer na direção errada, no momento menos adequado. Mas é quase sempre melhor do que ficar parado na selva a ver se o leão passa e escolhe comer outra presa.
António José Teixeira sai e vai entrar Vítor Gonçalves. Fui ler e vi que em muitas outras áreas da empresa também haverá mudanças. Na rádio, continuará Mário Galego, que também conheci há décadas, mas isso não foi notícia. O facto de a alteração de um diretor de informação da televisão ter gerado logo reações políticas significa que na cabeça de muitas pessoas os políticos podem intervir na redação dos meios públicos (e privados?...).
Pensar simplesmente que isso possa acontecer e insinuá-lo é desde logo um dia mau para a RTP, para os jornalistas que lá trabalham, para o jornalismo e para a política. Para nós todos, no fundo.
Tenho de me livrar dos eufemismos
Não sei se podia ter sido evitado, o momento em que tudo aconteceu foi pouco trabalhado do ponto de vista estratégico e de comunicação (às vezes não suporto os meus eufemismos: foi mesmo na altura errada, pronto). Mas não significa que haja algo mal feito, mal pensado ou que mudar seja errado.
Li no «Expresso» alguns comentários de Nicolau Santos, presidente do Conselho de Administração da RTP, sobre o episódio. Interessou-me muito a parte sobre a RTP3.
Não sei exatamente qual a atenção que os portugueses dão às audiências de televisão, mas imagino que seja pouca. TVI e SIC fazem muitas notícias sobre audiências. A RTP nem por isso. Deve ser por os privados discutirem entre eles quem lidera e a estação pública ser terceira.
Há dias em que a RTP acaba à frente de SIC e TVI, mas num ano acontece poucas vezes.
Há dias, sobretudo ao fim de semana, em que a RTP1 faz tão pouco que a CMTV se aproxima.
É possível que, se nada de substancial mudar, daqui por uns tempos a CMTV tenha, de forma regular, melhor share do que a RTP1.
A RTP2 tem perdido muitos espectadores com o decorrer dos anos.
A RTP3 é o menos visto dos canais de informação e isso começou a incomodar especialmente depois de ter nascido o «Now» que já capta mais atenção do que a RTP3.
Nicolau Santos fala sobre o assunto na entrevista e é precisamente sobre isso que pensava escrever quando fui levado para o Bruno Nogueira.
Qual deve ser o propósito da informação na RTP?
Para atingir esse propósito, deve existir um número mínimo de espectadores?
Acho que estas são as duas perguntas fundamentais.
Tenho a certeza que os responsáveis da RTP definiram internamente a resposta para ambas.
Já os políticos nunca me perguntaram qual a minha visão. Talvez devessem fazê-lo. Sou português, devia ter opinião. Deixo na mesma os meus três cêntimos sobre o tema.
O propósito da RTP é produzir a melhor informação em Portugal.
Por melhor entendo o seguinte: rigorosa, independente, plural, entregue de forma eficaz a todos os públicos, com rapidez e em todos os meios disponíveis, os existentes e os que aparecerão amanhã.
Nos tempos que vivemos só o Estado tem meios para cumprir todos estes critérios.
Sobre isto, lembro-me de ler dois artigos no mesmo sentido: os portugueses confiam na informação dos meios tradicionais, nomeadamente na RTP. Este é bastante interessante e este também vale a pena ler.
Resta responder ao tema da audiência.
Acredito que é possível, no jornalismo, ser bom e ter audiência. Aliás, seria estúpido se fazer bem conduzisse a maus resultados.
Parte de uma peça jornalística é o caminho: escolher tema, fontes, recolher testemunhos, imagens. Depois entra a parte formal e, algures, a promoção do que se fez.
Um meio de comunicação tem de ser competente em todos estes momentos e alguns nem são da responsabilidade do jornalista, mas sim da organização em que se insere.
Se a RTP3 faz boa informação e tem menos audiência do que outros é necessário perceber por que razão isso sucede. E resolver o problema, porque o dinheiro público começa a ser desperdiçado quando o utilizamos em benefício de poucos, o que acontece se uma grande peça jornalística, onde foram investidos meios avultados, afinal chegar a quase ninguém.
Mas temos de definir bem o que significa poucos e isso deve ser objeto de discussão. Quando concluírem, por favor tornem públicos os objetivos de audiência e o tempo em que eles devem ser atingidos. Façam-no para todas as empresas públicas, não só para as que produzem informação. É esse o dever do Estado. O nosso é verificar se estão a ser atingidos e tirar conclusões.
Só mais duas coisas sobre a RTP.
Sei que não é líder de audiência, mas sou um consumidor feliz da informação da Antena 1.
Como se viu com o «Ruído», a RTP tem de continuar a produzir conteúdos (como é que fui acabar a escrever esta expressão?...) que sejam capazes de viver fora do ecrã de televisão e perdurar.
A RTP já não é uma televisão. (escrevam o número de vezes suficiente até a frase estar decorada)
Aos 58 anos, a RTP tem de pensar muito bem como trabalhar para cada segmento e ter a ambição de liderar em todos.
Vou escrever outra vez: a RTP tem de querer liderar.
Cabe à RTP imaginar que se um dia só houver a informação que o Estado produz, ela será perfeita e chegará a 11 milhões de pessoas, todas diferentes.
Por estranho que possa parecer, talvez esse dia aconteça se, por exemplo, as operadoras deixarem de pagar pelos canais de informação e outros que têm na sua oferta.
O mundo como o conhecemos não para de mudar e provavelmente a próxima década será ainda mais agitada do que esta última, que ficou marcada pela desvalorização da profissão de jornalista.
Não sei o que pensam, mas eu gosto muito de saber que a RTP existe.