Podíamos acabar com estas qualificações
Só existe um aspeto em que o futebol feminino está muito melhor resolvido do que o masculino: os apuramentos para os grandes torneios de seleções. Portugal-Irlanda diz muito sobre este processo.
(Rúben Neves marcou com a camisola 21 o primeiro golo na sua já longa carreira na seleção A e assim decidiu o jogo com a Irlanda. É tão estranha, uma felicidade assim infeliz)
Fui a Alvalade ver o Portugal-Irlanda, cheguei a casa e fui espreitar os números.
Portugal teve a bola 70 por cento do tempo.
Com a bola, conseguiu 3.11 em golos esperados, o que é um abuso.
Rematou 30 vezes e 17 remates aconteceram dentro da área. Conseguiu nove cantos e 40 toques na área do adversário.
Dominou todo o jogo.
Uma equipa com estes números só pode ter jogado bem, apesar de poder parecer que não senhor.
Em Portugal tendemos a ignorar a existência de um adversário.
Se for a Arménia temos de ganhar por 7-0.
Se for a Hungria aceitamos 4.
A Irlanda tem de levar pelo menos 3 no saco e voltar depressa para o frio de Dublin.
A Espanha também temos de limpar fácil. Se não o conseguirmos somos fracos. Se o conseguirmos é porque a Espanha afinal também não é assim uma coisa tão especial.
A análise à seleção, por norma, é a soma dos ótimos jogadores a dividir por zero, porque é zero a importância que damos ao nosso adversário.
Acontece que os nossos adversários existem.
Os mais fracos são muitas vezes os piores para nós.
Às vezes conseguimos encher a barriga de golos, como frente ao Luxemburgo, à Bósnia ou Arménia. Outra vezes estacionam à frente da baliza e ficamos ali de um lado para o outro, como por exemplo a Eslováquia, a Islândia e hoje a Irlanda. (por falar em Irlanda, não se se se lembram mas da última vez que os recebemos também ganhámos nos descontos. Só que dessa vez fechámos os 90 minutos a perder e depois apareceu Cristano…)
Esta dificuldade para lidar com equipas estacionadas não é só nossa. Mas com isso ninguém perde tempo.
Os jogos em que os adversários acampam à frente do guarda-redes são um aborrecimento. Todos eles.
Talvez vá dar uma novidade a muita gente, mas se uma equipa estaciona atrás, essa equipa é que não joga nada. A outra que domina joga bem, porque domina, cria oportunidades, controla os nervos e a paciência.
Uma equipa que estaciona não é bem uma equipa. É metade de uma equipa. Falta o resto.
Um jogo em que só uma equipa quer jogar dificilmente é um verdadeiro jogo.
As pessoas não se divertem e mal o árbitro apita já esquecemos tudo aquilo.
Neste jogo, o que poderia ter sido diferente? A bola entrar em vez de bater no poste na primeira parte e pronto, Portugal venceria por três ou quatro e tudo teria sido menos fechado. Mas sem história na mesma.
De jogos como este não retiro que Portugal tem problemas. Quem tem problemas é o futebol. Nesta fase de qualificação já tivemos esta quantidade imensa de resultados desnivelados:
11-1
10-0
8-0
7-0
6-0 (cinco vezes)
6-1
5-0 (sete vezes)
5-1 (três vezes)
4-0 (oito vezes)
A UEFA encontrou um modelo ótimo nas seleções femininas, onde o desequilíbrio é ainda maior. Em vez de qualificações em grupos de fortes e fracos, está sempre em funcionamento o modelo Liga das Nações.
O Portugal-Irlanda não diz nada sobre a seleção nacional, dirigida por um treinador que sabe apurar-se e sabe ganhar. Mas diz-nos que é urgente alterar modelos que nunca foram bons e envelheceram mal.


